sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O Primeiro Do Resto dos Dias Como Uma Violinista da ONG Orquestrando a Vida

Perguntei, xeretei, pedi, enchi o saco, mas consegui: abriram uma turma nova de orquestras no Centro Cultura Musical de Campos, e hoje me tornei uma violinista participante da Orquestra-Escola B da ONG Orquestrando a Vida.
Eu sou fã desse projeto: são crianças e jovens carentes e de escolas públicas que, através da música, tornam-se pessoas melhores, pois além das notas musicais, eles aprendem a ter respeito, compostura, e, claro, cultura. E o projeto funciona mesmo há mais de dez anos, ganha vários prêmios e tem reconhecimento por grande parte da América do Sul, e pretende expandir essa média. A ONG passou por dificuldades, e no ano passado, por falta de verba do governo, as portas da ONG se fecharam por um tempo, pois os professores não estavam recebendo, não havia como organizar excursões, seminários e tal. Mas tudo acabou bem e as orquestras estão funcionando novamente, com cada vez mais alunos. Minha mãe tornou-se a fotógrafa oficial das apresentações das orquestras e, agora, espero fazer parte desse projeto por algum tempo, até porque tanto alunos particulares ou bolsistas podem se integrar à orquestra.

Aí hoje foi o meu primeiro dia de aula, mas o povinho ja tinha tido aula na semana passada. A aula era dada numa espécie de sala improvisada apelidada de 'carneirão' [sei lá porque]. Não era nenhum luxo, aliás, o casarão onde é a escola de música não é nenhum castelo, mas isso não importa, pois o som que sai de lá é melhor que muito apartamento de luxo onde mora qualquer playboy baterista.
Mas deixa eu contar uma coisa: nunca fiquei tão perto de tanta gente, hum, desfavorecida. Se é preconceito? Não sei. Meus avós paternos moram lá longe numa casa nada chique e já trabalharam na lavoura, e eu faço um comentário desses? Mas cara, é diferente. Até porque, eu nem convivo tanto com meus avós, infelizmente. E é diferente, sei lá... é estranho estar perto de pessoas que você fica imaginando onde moram, como vivem e como fizeram para chegar até ali. Não to dizendo que é ruim, é até bom, tem pessoas de todas as classes e cores, e os negros predominam ali, e me fez pensar no conceito de gente pobre. Não que gente negra queira dizer gente pobre, pelo amor de Deus.

Só falta algum engraçadinho vir reclamar, dizendo que estou falando algo ruim só por ressaltar pessoas pobres. Olha aqui, ser pobre não é maldição, é um destino ou uma escolha. Até porque, não falo de pobre de jóia, mas pobre de espírito.
Uma violinista de doze anos, negra, usava um decote deste tamanho [mostrando seios grandes demais para a idade], mais enfeites no cabelo do que podia e brincos enormes e brilhantes, e chinelo de dedo, é pobre. Mas a menina mais rica da minha sala, morena, que ouve pagode, tem um palavreado chulo e berra só para pedir um copo d'água também é pobre. Se eu tivesse metade do dinheiro dela, eu compraria todos os instrumentos musicais que pudesse. Mas se eu tivesse metade da classe dela, eu me matava.
Se bem que a menina de seios grandes e penduricalhos na cabeça era bem legal. Tinha as suas gírias de 'mano', mas tinha uma educação maior que a menina rica la da sala. To falando, a garota rica é mais pobre que a minha colega de violino pobre.

Eu fiquei o tempo inteiro observando as crianças que estavam ali, imaginando de onde vieram, onde estudavam... algumas estavam de uniforme, o conhecido uniforme cinza e azul de escola pública. Tenho que dizer que a educação não era o que eu esperava, havia pirralhos mal-educados, e respondões, claro. Mas a reação dos professores era esperada: era preciso ter pulso firme. Depois de uns minutos de aula, em vez delas falarem alguma besteira, elas estavam assobiando ou cantando as notas que acabavam de aprender. Era satisfatório, mas ainda tinham alguns que relutavam.

Eu era a mais velha na turma dos primeiros-violinos. Se bem que os garotos que tocavam trompete e contrabaixo pareciam ter uns 18 anos. E de longe, eu era a que tinha mais cara de quem tinha vindo de carro e tomado banho 15 minutos antes de estar ali.

Eu não tinha medo do povinho desconhecido da minha sala, mas sim do povo da Orquestra Jovem, que além de conhecerem mamãe, ainda conhecem meu rosto. Eles olham para mim uma grande parte do tempo, acho que esperam alguma reaçao minha. Tem um garoto contrabaixista que eu gosto muito, vocês não tem noção de como ele toca bem, mas quando ele me olha, é com cara de poucos amigos, ou é o que parece. Meu maior medo é de que, por eles saberem quem eu sou, eles achem que eu serei mais uma riquinha que acha bonitinho tocar violino e está ali porque acha divertido o mundo em que a mãe dela agora vive. Pode parecer meio bobo, mas eu tenho muito medo disso. Lá há gente rica, claro, mas é diferente quando você não conhece ninguém e ninguém te conhece, o que não é o meu caso, o que faz com que as pessoas ouçam sobre mim e fiquem imaginando, 'ooh, a filha de Anaceli é linda, é bailarina, faz isso, isso, isso e agora faz violino e blá...'. Ainda mais quando eu apareço de coque e calça bailarina por lá. Dá pra sentir o olhar daquele contrabaixista chato. Hoje eu gelei quando descobri que ele estava atrás de mim, olhando pela janela do Carneirão. Se eu estava tocando bem, nem sei. Meu violino emprestado já não era bom...

Sei lá. Há ainda muito o que aprender, principalmente como me comportar por lá. É completamente diferente do mundo em que eu vivo, onde há meninas que sabem o que é um iPod e um grand jeté, e meninos que têm tênis da Nike comprados pelos pais nos EUA. Mas também é diferente pela alegria que aquelas pessoas simples têm, e uma bagagem cultural maravilhosa, misturados a gírias, linguagens e costumes muitas vezes engraçados, sem serem vulgares, ou, preconceituosamente falando, pobres. Mas pobre aquele povo não é, não. Pobre ali sou eu, pelo menos enquanto eu não souber tocar Chorale direito.

2 comentários:

Arthur Rangel B) disse...

Esse conceito de pobre e rico é ridículo.Pra mim não existe destinção.Boa sorte na sua aula de violino, e quem sabe com o olhar do baixista ai.;O

Yash disse...

Bravo! Bravo! Merece aplausos!
Afinal, diz que os verdadeiros pobres são os ricos que acham que são ricos por terem dinheiro e esquecem totalmente da educação!
Que você se saia bem no violino, pois este produz as mais belas melodias!(principalmente quando junto com piano)
Que arranje muitos amigos e que o baixista note que você não é mais uma riquinha mimada, e sim uma ótima pessoa
E olha que não te conheço direito, hein. ;D