Enquanto isso, ela, na coreografia, foi a única que se arriscou a fazer um fouetté na sapatilha de ponta, em vez das pobres mortais que só faziam piruetas. Não foi só um fouetté; foram SEIS. E muito bem aplaudidos.
Eu ficava imaginando o que ela fez para que conseguisse fazer tudo direito. Porque se você não se estica, você não dança. E como é que um pé tão horrível podia fazer tanto?
Mas ela conseguiu. A elasticidade dela é duas vezes maior do que qualquer uma de pé bonitinho. A paciência e calma com que ela executa os passos é incrível, quase um mantra ou sei lá, por mais que seja rápido [porque existe uma diferença entre rapidez e 'afobação']. Ela conseguiu encontrar um meio de se equilibrar naquele pé, e percebeu que isso era possível, e tentou, tentou e tentou.
E, bem, ela continua lá. É a melhor de todas, sempre solista. Das suas colegas de pé perfeito, algumas permaneceram nas aulas e fazem parte do corpo de baile. Outras saíram, cansaram. Seus pés perderam a magia, enquanto o dela só adquire com o tempo e o treino. Eu fico imaginando se às vezes é melhor não ter alguma característica que queira, e trabalhar para viver sem ela, do que nascer com ela e não fazer uso da mesma. Porque ela tem um pé torto e seu equilíbrio e execução são duas vezes melhores que o de qualquer uma, mas só porque o seu esforço foi duplicado, na ambição de querer ser tão boa quanto as outras abençoadas. Eu vejo isso em qualquer lugar, pois aqueles que não têm asas dão um jeito de construir as suas, enquanto os que nasceram para voar enjoam rápido. Não sei se é o costume por ter asas desde que nasceram [daí dão pouco valor a elas], só sei que... desistem de voar, algum dia.
O pé torto não é mais um problema. É um desafio que, uma vez superado, acaba se tornando uma virtude [ou alguma coisa assim].
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