Hoje o post não é de minha autoria. Eu queria compartilhar com vocês o prólogo de um livro que achei enquanto arrumava a estante do quarto (que é a unica coisa que eu gosto de ficar arrumando, aliás. Sempre acho uma coisa boa pra ler), que se chama 'Volta da Lapa'. Nunca prestei bastante atenção nele, exceto pela capa, um tanto chamativa... e o livro é da minha mãe, que deve ter comprado na época em que fez a faculdade, pois o livro é escrito pelo falecido professor dela, Fernando da Silveira (que Deus o tenha), que era professor de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia de Campos.
Na verdade nem sei do que o livro realmente se trata, pois escrevo esse post apenas meia hora depois de ter começado a lê-lo, e tudo o que sei é que ele contém contos muitas vezes metafóricos sobre Campos dos Goytacazes e a lenda mais famosa da cidade, a Lenda do Ururau da Lapa. O título deste post é na verdade a dedicatória que o autor escreveu no livro.
Bom, eis o prólogo:
"O Ururau-Engole-Mundo"
"Este rio mostrando as costelas, assoreado, fétido, não é o Rio Paraíba do Sul. O Ururau bebeu as suas águas. Você está diante do vômito do Ururau.
Não é de admirar, assim, que você não encontre mais as pranchas, aquelas imensas canoas de bordos altos que, com as velas triangulares enfunadas pelo vento, deslizavam como imponentes cisnes reais sobre o dorso da formidável, da colossal torrente.
[...]
Qual é a razão do fogo nos canaviais, que alimentam as usinas que restaram? Por que essa prática criminosa? Porque as nossas elites estão possessas... e o Menino do Machetinho de Ouro ainda não chegou para exorcizá-las, para arrancar o Ururau de suas almas...
Esteja certo de que o ururau não é um simples jacaré-de-papo-amarelo. Na sua carranca medonha brotaram chifres assassinos, mais letais do que o seu rabo demoníaco, mais letais do que sua bocarra devastadora. Foram eles, foram as guampas em labaredas do Ururau, que aniquilaram os vetustos solares da Planície, onde a nata da sociedade agrária fluminense, requintada e culta, desabrochava como flor da civilização ocidental, exibindo os seus mais surpreendentes coloridos e trescalando o mais suave dos perfumes. Até o solar dos Airizes, em cujo abrigo aconchegante Bernardo Guimarães criou a Escrava Isaura, não escapou de sua sanha assassina. Transformou-se, desgraçadamente, naquele pobre edifício em ruínas que nos olha, ao longe, quando demandamos a São João da Barra, como se estivesse a nos pedir socorro.
[...]
Quem afugentou as andorinhas, que estremeciam o céu com suas poéticas revoadas? Quem derrubou as matas, que perfumavam o Vento Nordeste? Foi o Ururau... Foi o Ururau... Ah! O vento Nordeste! Se o Menino do Machetinho de Ouro não chegar a tempo, dia virá em que não o teremos mais acariciando ternamente a Planície. Só nos restará o abrasador hálito do Ururau.
Quem plantou os espigões de concreto no seio da Cidade, se ela pode crescer horizontalmente? Foi o Ururau-Engole-Mundo em sua desmedida fome de dinheiro, pois não lhe foi suficiente engolir o sino de ouro, bem ali na Volta da lapa. Como fedem as fezes do tenebroso jacaré-de-papo-amarelo, como o Ururau emporcalhou uma Cidade outrora bela e perfumada...
Que fim levou o Cine-Teatro Orion? Onde estão as nossas magníficas casas de espetáculos? Que é do Teatro São Salvador? Que é do velho Trianon? Foram devorados pelo Ururau. Com eles, morreu toda uma época... o novo Trianon, embora resplendente, é uma seta de luz apontando para um futuro incerto.
Onde está o campista heróico, que venceu o brejo e seus miasmas? Por que estão de cócoras as estirpes de benta pereira, de José do Patrocínio, de Saldanha da Gama, de Nilo Peçanha, dos Lacerdas? Para onde foi o gigante da Planície** que, na expressiva imagem de Hervé Salgado Rodrigues, tinha muitos metros de altura?
Que é da Lira Guarani? Que é da Lira de Apolo? Que é da Conpiradora? Que é da Operários Campistas? Onde estão as nossas bandas de música que, nos dias de festa, inundavam de alegria as nossas ruas com seus dobrados? Por que estão, assim, tão encolhidas? Por que romperam com a tradição das apresentações das bandas em praça pública? Por que mataram as retretas?***
"Quede" as cantorias e folguedos, que refletem a alma criança da gente simples, do povo ingênuo? "Quede" a Mana Chica? [...] Cadê os repentistas que, cantando e dançando, não deixavam o verso cair?
Onde estão os poetas românticos do Banco das Cismas, os herdeiros de Azevedo Cruz? Onde estão os furtivos amantes da Volta da Lapa? Onde está o Ururau?
O Ururau-Engole-Mundo fugiu do fundo do rio. O Tinhoso está solto por aí. Já fez buracos no céu. Espreita lá em cima o Planeta com seu olhar maligno. [...]"
Fernando Da Silveira - "Volta da Lapa", 2002.
Editora Faculdade de Filosofia de Campos
** [N.Nuffer] Uma dúvida minha: será que o 'gigante da Planície' é aquela estátua do índio que foi derrubada da praça que fica perto da Rodoviária, e que ninguém lembra onde ele está?
*** [Nota do Autor] As bandas de música campistas voltaram às ruas e praças, em face do projeto "Para ver a banda Passar", da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.
[Nuffer: a Lira de Apolo é uma banda sinfônica que uma vez eu vi ensaiando numa casa ao lado do IBEU do Centro, casa essa que era um banco que pegou fogo há muito tempo atrás e não foi reformado]
2 comentários:
O ururau é Garotinho e a pelinca.As bandas estão reprimidas pelo o que existe fora até do país.O índio está jogado atrás do arquivo municipal.E São João da Barra virou o refúgio de quem não está no meio dessa balbúrdia toda.
Conclui-se então que Campos ainda é uma cidade de pessoas boas, já que pelo menos 90% da população vai ou já foi pra São João da Barra.
e sobre as 'bandas reprimidas', como voce disse, Arthur... voce nao deixa de estar certo, mas as bandas referidas não são as bandas comuns, como rock, jazz ou MPB, mas sim Bandas Sinfônicas, mais clássicas, constituídas de instrumentos como trombones, tubas, flautas, etc, que eram tradicionais pelas suas serestas, serenatas e coisas assim ;D
Postar um comentário