domingo, 13 de setembro de 2009

Para ler, se divertir e refletir PARTE II

Continuação do conto 'A Mensagem' de Clarice Lispector. Se não leu a primeira parte, ela ta no post anterior a este.

"...Eles apenas concordavam no único ponto que os unia: o erro que havia no mundo e a tácita certeza de que se eles não o salvassem seriam traidores. Quanto a amor, eles não se amavam, era claro. Ela até já lhe falara de uma paixão que tivera recentemente por um professor. Ele chegara a lhe dizer - já que ela era como um homem para ele - , chegara mesmo a lhe dizer, com uma frieza que inesperadamente se quebrara em hosrrível bater de coração, que um rapaz é obrigado a resolver 'certos problemas', se quiser ter a cabeça libre para pensar. Ele tinha dezesseis anos, e ela, dezessete. Que ele, com severidade, resolvia de vez em quando certos problemas, nem seu pai sabia.
O fato é que, tendo uma vez se encontrado na parte secreta deles mesmo, resultara na tentação e na esperança de um dia chegar ao máximo. Que máximo?
Que é, afinal, que eles queriam? Eles não sabia, e usavam-se, como quem se agarra em rochas menores até poder sozinho galgar a maior, a difícil e a impossível; usavam-se para se exercitarem na iniciação; usavam-se impacientes, ensaiando um com o outro o modo de bater asas para que enfim - cada um sozinho e liberto - pudesse dar o grande voo solitário que também significaria o adeus um do outro. Era isso? Eles se precisavam temporariamente, irritados pelo outro ser desastrado, um culpando o outro de não ter experiência. Falhavam em cada encontro, como se numa cama se desiludissem. O que é, afinal, que queriam? Queria aprender. Aprender o quê? eram uns desastrados. Oh, eles não poderiam dizer que eram infelizes sem ter vergonha, porque sabiam que havia os que passavam fome; eles comiam com fome e vergonha. Infelizes? Como? se na verdade tocavam, sem nenhum motivo, num tal ponto extremo de felicidade como se o mundo fosse sacudido e dessa árvore imensa caíssem mil frutos. Infelizes? se eram corpos com sangue como uma flor ao sol. Como? se estavam para sepre sobre as próprias pernas fracas, conturbados, livres, milagrosamente de pé, as pernas dela depiladas, as dele indecisas mas a terminarem em sapatos número 44. Como poderiam jamais ser infelizes seres assim?
Eles eram muito infelizes. Procuravam-se cansados, expectantes, forçando uma continuação da compreensão inicial e casual que nunca se repetira - e sem nem ao menos se amarem. O ideal os sufocava, o tempo passava inútil, a urgência os chamava - eles não sabiam para o que caminhava, e o caminho os chamava. Um pedia muito do outro, mas é que ambos tinham a mesma carência, e jamais procurariam um par mais velho que lhes ensinasse, porque não eram doidos de se entregarem sem mais nem menos aos mundo feito.
[...]
Ambos tinham, na verdade, repugnância pela maioria das palavras, o que estava longe de facilitar-lhes uma comunicação, já que eles ainda não haviam inventado palavras melhores: eles se desentendiam constantemente, obstinados rivais. Poesia? Oh, como eles a detestava. Como se fposse sexo. Eles também achama que os outros queriam caçá-los não para o sexo, mas para a normalidade. Eles eram medrosos, científicos, exaustos de experiência. Na palavra experiência, sim, eles falavam sem pudor e sem explicá-la: a expressão ia mesmo variando sempre de significado. Experiência às vezes também se confundia com mensagem. Eles usavam ambas as palavras sem aprofundar-lhes muito o sentido.

Um comentário:

Arthur Rangel B) disse...

+.+.Gamei Nuffer, quando eu terminar de ler "o guardião de memórias" de Ayla, e ler os livros que Mirella indicou,você vai me empretar algo dessa Clarice Linspector.

Ela me faz lembrar você escrevendo.@_@